No futebol, essa parceria poderia ser comparada a um encontro de dois craques de gerações diversas, como Pelé e Robinho. O pianista e compositor Thelonious Monk (1917-1982) já era um jazzista conceituado, em 1957, quando convidou o jovem saxofonista John Coltrane (1926-1967) a fazer parte de seu quarteto. A parceria só durou cinco meses, mas ficou na história do gênero como um de seus encontros mais cultuados.
Até para os fãs de ambos, que já têm o clássico álbum "Thelonious Monk With John Coltrane" (relançado aqui pela BMG, em 2003), ou a gravação do precioso concerto de Monk e Coltrane no Carnegie Hall (descoberto só em 2005 e lançado em seguida pela Blue Note), não é fácil resistir ao apelo do CD duplo "The Complete 1957 Riverside Recordings".
Com 1h45 de duração, esta edição reúne todas as gravações que os dois gênios do jazz moderno fizeram juntos em estúdio, incluindo faixas inéditas e takes (versões diferentes da mesma faixa) que não entraram no álbum original. Traz também, no encarte, um minucioso texto do produtor Orrin Keepnews, revelando detalhes de bastidores.
Como se estivesse no estúdio durante as sessões de gravação, o ouvinte pode apreciar, por exemplo, cinco takes de "Crepuscule With Nellie" (dedicada por Monk à esposa), que não fazem parte do conhecido álbum da dupla. Tratando-se de um músico experimentador como Monk, não só os fanáticos vão curtir as diferentes nuances rítmicas e de interpretação das cinco versões. Keepnews explica por que uma delas não chega ao final: extenuado, ou sob o efeito de alguma droga, Monk cochilou sobre o piano.
As angulosas "Epistrophy" e "Well, You Needn't" também aparecem em takes diferentes. Entre o material inédito surge ainda "Abide With Me", um hino religioso de William Henry Monk (sem relação de parentesco com o jazzista). Não bastasse sua bizarra idéia de gravá-lo, bem ao estilo quadrado das bandas do Exército da Salvação, o excêntrico Monk deixou os colegas perplexos, ao pedir que a tocassem novamente.
Obviamente, ela não entrou no disco original.
Período de transição
A parceria de Monk e Coltrane aconteceu em um período de transição para ambos. O pianista acabara de reconquistar a licença para tocar em clubes de Nova York, que perdera por posse de drogas. E Coltrane abandonara há pouco o vício da heroína, iniciando a fase que o estabeleceu como um dos jazzistas mais influentes no período pós-anos 60. Seria demais esperar que dois artistas de brilho tão intenso seguissem juntos por mais tempo.
Carlos Calado - Colaboração para A Folha. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0809200611.html
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